Após a reação contra a paralisação da Faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que atende aos mais pobres, com renda de até R$ 1.800, o governo federal voltou atrás. Em nota, o Ministério das Cidades afirmou que estão previstas 170 mil novas unidades habitacionais para a Faixa 1 e as novas contratações serão no mês de março. Para os movimentos populares e pesquisadores, no entanto, o número está defasado em relação à necessidade da população, além do anúncio não ser a garantia de que a meta será cumprida.
A dúvida sobre o cumprimento do anúncio decorre do enxugamento da principal fonte de financiamento das construções habitacionais: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O presidente não eleito Michel Temer liberou aos trabalhadores o saque do FGTS para o pagamento de dívidas. Além disso, aumentou os limites de renda atendidos pelo programa MCMV por meio do fundo. Como lembra a pesquisadora Raquel Rolnik, em texto publicado em seu blog, “essas ações depenam os recursos do fundo, que ainda são a principal fonte de financiamento para habitação e saneamento no país”.
Para Marcelo Edmundo, diretor da Central de Movimentos Populares (CMP), sem o FGTS, não há como esperar outra fonte de financiamento após aprovação do projeto de lei que congela os gastos públicos por 20 anos. “É um processo muito complicado, não temos nenhuma garantia. Eles podem lançar o edital e não cumprir. Não temos reunião do Conselho Nacional das Cidades desde 2015. Além disso, anunciaram números que ficam muito abaixo da necessidade. Hoje temos 300 mil unidades habitacionais demandadas só pelos movimentos sociais”, explica.
De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades, estão previstas 170 mil contratações para Faixa 1 - sendo 35 mil unidades na modalidade Entidades Rurais, 35 mil na modalidade Entidades Urbanas e 100 mil no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que atende às famílias de baixa renda com renda mensal de até R$ 1.800. A modalidade Entidades permite que famílias organizadas de forma associativa, por uma Entidade Organizadora (associações, cooperativas e movimentos populares) produza suas unidades habitacionais, sem intermédio de uma empreiteira.
Segundo Victor Guimarães, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o anúncio mostra números defasados que não dão conta da real necessidade. “Desde 2015 estamos esperando sair contratações para o Entidades e o déficit só está crescendo porque tem mais pessoas despejadas, as famílias aumentaram, filhos ficaram maiores de idade e estão construindo novas famílias. Para eles essas pessoas que aguardam moradia são só números e orçamentos, para nós são companheiros que estão morando em barracos e perdendo a guarda dos filhos, senhoras que moram nos morros e não podem sair de casa porque tem problemas graves de saúde”, afirma.
Marcelo Edmundo complementa que os números insuficientes para a demanda são uma tentativa de colocar os movimentos populares em disputa por unidades habitacionais. “O ponto positivo é que não estão conseguindo. Os movimentos rurais e urbanos estão se articulando melhor a partir dessa tensão. O MCMV não foi o programa dos nossos sonhos, mas significou uma alternativa para a habitação, que é um dos problemas mais sérios do país e não apenas uma política pública. É um direito do povo”.
Para o vereador Renato Cinco (Psol), não há garantia de que essas 170 mil unidades vão sair de fato nem que serão em áreas centrais e com infraestrutura. “A única alternativa para os trabalhadores continuará sendo ocupar os milhares de terrenos e imóveis vazios e exigir dos governos obras para transformá-los em habitações de qualidade. Segundo as leis federal, estadual e municipal esses terrenos e imóveis públicos deveriam ser usados prioritariamente para habitação de interesse social e os governos não cumprem. Eu acabei de entrar com um pedido de CPI para investigar isso”, afirma.
Mudanças no MCMV
No último mês, o presidente não eleito Michel Temer anunciou uma série de mudanças no programa MCMV. Em um primeiro momento, foi divulgada a ampliação do MCMV para incluir pessoas com rendimentos maiores. Na Faixa 1,5 o limite de renda mensal passou de R$ 2.350 para R$ 2,6 mil, na Faixa 2 mudou de R$ 3,6 mil para R$ 4 mil e na Faixa 3, de R$ 6,5 mil para R$ 9 mil.
Também foram aumentados os valores dos imóveis que podem ser financiados. No Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro, o valor passou de R$ 225 mil para R$ 240 mil. Nas capitais do Norte e Nordeste, por exemplo, o teto aumentou de R$ 170 mil para R$ 180 mil.
No entanto, para a Faixa 1 não havia sido anunciada nenhuma mudança ou contratação. Movimentos populares e pesquisadores, consideram a paralisação desse segmento do programa e a mudança na estrutura do Minha Casa, Minha Vida - de política pública de habitação para um programa de crédito subsidiado.
“O MCMV não é uma política de enfrentamento ao déficit habitacional e, sim, uma política bancária e empresarial. Foi criada para dinamizar setor construção civil. No entanto, apresentava saídas. Com Temer, há reforço da participação da classe média e retirada dos mais pobres”, acrescenta Victor Guimarães, do MTST.
Após a reação, com atos e mobilizações, como a grande ocupação que acontece na Avenida Paulista, em São Paulo, promovida pelo MTST, há mais de três semanas, o governo federal fez um novo anúncio, ratificando as novas contratações para a Faixa 1. O MTST continua com o acampamento erguido reivindicando uma política habitacional que atenda, de fato, às faixas de renda mais baixas.
Para o vereador Renato Cinco, o MCMV foi criado para beneficiar as empresas de construção e não à população. “A maioria das moradias que atendem aos mais pobres fica em áreas distantes dos postos de trabalho e sem infraestrutura e serviços. Exceções só quando os movimentos realizavam ocupações. Com essas recentes mudanças, o que já era ruim ficou pior, ainda mais excludente. No Rio de Janeiro, o déficit habitacional aumentou durante os anos de existência do MCMV e com as mudanças feitas por Temer vai aumentar ainda mais. Sempre atingindo principalmente os mais pobres e as políticas de remoções agravam esse quadro”, afirma.
André de Paula, advogado da Frente Internacionalista dos Sem Teto (Fist), acrescenta que os mais pobres estão, cada vez mais, sendo excluídos de todas as políticas públicas. “Não existe coisa pior do que o governo Temer. Ele toma todas as medidas para fazer com que a crise caia na conta do mais pobre. O Minha Casa, Minha Vida é um exemplo de uma política pública que não era boa e agora fica pior. Temer quer que a gente trabalhe até morrer, não vai querer saber mesmo de habitação”, conclui.
Edição: Vivian Virissimo
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/
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